segunda-feira, 29 de novembro de 2010

INTRODUÇÃO AO FEMINISMO

Feminismo é um tema, uma questão, um movimento político, um pensamento filosófico protagonizado pelas mulheres que inquieta o mundo há mais de 200 anos.

A palavra feminismo é de origem francesa feminisme, cujo primeiro registro escrito e conhecido data de 1837, na França. O termo feminista, por sua vez, é relativo ao feminismo. É também de origem francesa,  féministe, e o seu primeiro registro escrito e conhecido data de 1872. 

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) nos oferece algumas formulações para explicar o significado do termo feminismo, dentre elas as seguintes:

·         Feminismo é a doutrina que preconiza o aprimoramento e a ampliação do papel e dos direitos das mulheres na sociedade.
·         Feminismo é o movimento que milita neste sentido.
·         Feminismo é a teoria que sustenta a igualdade política, social e econômica de ambos os sexos.
·         Feminismo é a atividade organizada em favor dos direitos e interesses das mulheres.

Estamos de acordo com Houaiss de que o feminismo tem todas essas características. Porém, desejamos chamar a atenção para uma marca fundamental do feminismo que foi omitida pelo dicionário e que faz toda a diferença: o sujeito do feminismo, o sujeito da promoção da igualdade entre os sexos, são as mulheres. Essa omissão reduz o significado social, político e histórico que o feminismo tem hoje e teve no passado, pois invisibiliza a autoria das mulheres, fazendo subsumir a sua condição de pensadoras de sua liberdade. Isto porque, diante de uma sociedade predominantemente masculina, como a brasileira, tal omissão é, praticamente, um ato de nomeação dos homens como sujeito dessa doutrina, desse movimento, dessa teoria. Essa forma de negar o protagonismo das mulheres, utilizada pelas autoridades do saber, fica melhor evidenciada quando lemos as formulações, trazidas pelo mesmo dicionário, para esclarecer o significado dos termos liberalismo e marxismo. Para esses se nomeiam Locke, e Marx e Engels como sujeitos da criação das doutrinas liberal e marxista, respectivamente. Sim, o feminismo constitui a luta política e ideológica instaurada pelas mulheres em favor de uma sociedade justa e igualitária. Devemos fazer questão da nossa autoria. 

Feminismo é a ação política das mulheres em favor da transformação das relações de poder entre homens e mulheres, que incide na transformação da sociedade, através do combate às desigualdades, discriminações, opressões e explorações de sexo, com contribuições, teóricas e práticas, nos campos da organização política, das leis, dos hábitos e costumes, dos saberes e dos governos.


Por ser uma ação política, o feminismo não é neutro e, ao propor a emancipação política, econômica e social das mulheres, ele declara a desconstrução do patriarcado, como luta fundamental para se alcançar uma sociedade justa. Esclarece, assim, que o lugar das mulheres nessa luta é o de sujeito do pensamento e da ação. Isto afeta a vida de homens e mulheres, pois, ao reservar a estas lugares de decisão sobre o seu próprio destino, atinge todas as relações sociais.

Assim, ao reconhecer no patriarcado a força antagônica à emancipação das mulheres, o feminismo reivindicou a abolição dos privilégios jurídicos, econômicos, sociais e políticos dos homens em relação às mulheres e, por via de conseqüência, a construção de novos direitos, comportamentos e relações entre os sexos na vida pública e na vida privada. 


Baseada na identificação da diferença biológica entre os sexos, a filosofia ocidental justificou, desde sempre, a opressão e exploração das mulheres a partir de um falso princípio, qual seja, o de que as mulheres seriam humanamente inferiores aos homens, portanto incapazes de ter acesso aos mesmos lugares que esses na sociedade. O patriarcado alimenta, então, as religiões, em sua passionalidade, e, também, as ciências, em sua neutralidade, oferecendo sempre as mesmas explicações sobre o lugar e o ser das mulheres na sociedade. Dessa maneira, durante milhares de anos foram sendo reproduzidos argumentos, dogmas e leis que fragilizaram os seus corpos e reprimiram o seu intelecto, reservando-lhes, ainda hoje, na maioria das sociedades, desvantagens econômicas, amorosas e políticas.

Por tudo o que sabemos sobre as mulheres, nos diversos períodos da história, esse processo não foi isento de resistência, por parte daqueles seres ditos “inferiores”, nem da prática de grandes e pequenas violências, cotidianas, cometidas, legal ou ilegalmente, pelos seres ditos “superiores”. Sim, o patriarcado é a força cultural antagônica à emancipação das mulheres, que se expressa sob diversas formas,
antecedendo historicamente ao modo de produção
capitalista, mantendo-se neste e reproduzindo-se 
nas sociedades socialistas. E o feminismo é a
expressão mais radical daquela resistência.

O fato de seu foco ser a desconstrução do patriarcado; e ter como sujeito político as mulheres e como objetivo a transformação das relações de poder entre os sexos, não pode ser entendido como sendo mostra de um movimento dissociado da tarefa de transformação geral da sociedade. Muito pelo contrário, o que precisa ser entendido definitivamente é que o enfrentamento das desigualdades entre mulheres e homens é indispensável à construção de uma sociedade justa e igualitária e, ainda, que a     existência do feminismo é esclarecedora de que a tarefa de transformação da sociedade, não pode ser:

·         reduzida a uma única luta;
·         hierarquizada em lutas e categorias principais e secundárias;
·         negadora da autonomia organizacional e política dos  sujeitos constituídos em torno de causas que identificam como fundamentais para o combate à sua opressão.

O foco da ação feminista significa garantir o direito das mulheres à autonomia política, desmantelando um dos pilares fundamentais da cultura de opressão, que se constitui na sujeição das mulheres ao pensamento do outro, ao interesse do outro e à ação do outro.  O feminismo reconhece que a sua luta, embora seja indispensável, não basta à construção de uma nova sociedade. Assim, participar de forma ativa e solidária de todas as lutas libertárias, vivenciando as conexões que existem entre essas e a pluralidade das mulheres, assim como guardar a sua própria autonomia e respeitar a dos outros movimentos, não é uma simples compreensão do feminismo, mas ponto basilar de sua práxis democrática. Nisso consiste a sua radicalidade e a da própria democracia. Querer submeter o feminismo à luta de classe ou às lutas étnico-raciais, por exemplo, em nome de um futuro ou de uma suposta prioridade de tal ou qual opressão, destrói a força da pluralidade necessária à transformação da sociedade, além de fortalecer o paradigma patriarcal que impregnou as revoluções do século XX de que as questões trazidas pelas mulheres seriam menores e específicas.

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